Surdez Emocional: O Silêncio Interno Que Adoece a Alma e Destrói Relacionamentos
Vivemos dias em que as vozes externas são mais altas que as internas. Estamos cercados de ruídos, distrações e exigências, mas, paradoxalmente, cada vez mais desconectados de nós mesmos e das pessoas que amamos. Dentro desse contexto, emerge um fenômeno psíquico silencioso, mas devastador: a surdez emocional.
Não se trata da incapacidade de ouvir sons, mas sim da dificuldade de escutar e compreender os próprios sentimentos e os sentimentos do outro. Um bloqueio inconsciente que, quando não tratado, adoece a alma, mina os relacionamentos e distancia até mesmo da espiritualidade.
O que é surdez emocional?
Surdez emocional é a dificuldade de perceber, nomear e processar as próprias emoções, e, consequentemente, de reconhecer o que o outro sente. É como se existisse um ruído interno permanente, impedindo que a pessoa acesse sua própria vida emocional e, muitas vezes, anulando a empatia e a conexão afetiva.
Segundo a psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen, pessoas que vivem nesse estado, muitas vezes, foram ensinadas — direta ou indiretamente — a não sentir. A infância em ambientes onde expressar emoções era sinal de fraqueza, gerou adultos que aprenderam a calar a própria dor e, pior, a não reconhecer o sofrimento alheio.
O filósofo Byung-Chul Han, em “A Sociedade do Cansaço”, também alerta que o excesso de produtividade e positividade tóxica anestesia nossa capacidade de reflexão e desconecta-nos de nossa dimensão afetiva mais profunda.

Como se manifesta?
A surdez emocional se apresenta de forma sutil, mas constante, através de sinais que costumam passar despercebidos:
- “Não sei o que sinto.” Incapacidade de identificar se está triste, frustrado, ansioso ou magoado.
- Respostas automáticas: “Tá tudo bem”, “Isso não é nada”, “Deixa pra lá”, mesmo quando claramente há um desconforto interno.
- Fuga emocional: A pessoa se refugia no trabalho, nas redes sociais, nas distrações ou até em práticas religiosas descontextualizadas, como uma espiritualidade que tenta abafar a dor sem processá-la.
- Falta de empatia: Dificuldade em compreender o outro, minimizando o que ele sente ou reagindo com impaciência, indiferença ou sarcasmo.
- Somatização: A dor emocional não ouvida se converte em dores físicas, crises de ansiedade, insônia, taquicardia, gastrite, entre outros sintomas psicossomáticos.
Como identificar a surdez emocional, pode não ser uma tarefa fácil a principio, requer um mergulho em autoconhecimento ou no conhecimento do outro, ambos requerem dedicação e analise, sem pressa para uma conclusão. Entre a identificação e cura pode levar certo tempo, paciência no processo será fundamental.
Surdez emocional dentro do relacionamento
É dentro dos relacionamentos — especialmente os amorosos — que a surdez emocional se manifesta de forma mais destrutiva e silenciosa.
Sinais comuns que passam despercebidos:
- Falta de escuta ativa: Quando um parceiro desabafa e o outro responde com soluções automáticas, minimizações ou muda de assunto.
- Desconexão afetiva: Está fisicamente presente, mas emocionalmente ausente.
- Incômodos ignorados: Evitar conversas difíceis, varrer problemas para debaixo do tapete, fingindo que está tudo bem.
- Validação zero: Quando um diz “estou triste”, o outro responde: “Ah, mas isso não é motivo pra tristeza”.
- Reações automáticas: Ironia, sarcasmo, indiferença, frieza ou respostas secas.
- Supervalorização da lógica: “Se não tem solução, não fala mais disso” — como se sentimentos precisassem ser resolvidos e não acolhidos.
- Espiritualização da fuga: Frases como “Entrega pra Deus e pronto” — usadas não como ato de fé, mas como recurso inconsciente para não lidar com a dor do outro.

Exemplos práticos:
- Uma esposa diz: “Me sinto sozinha, mesmo estando casada”, e o marido responde: “Mas eu te dou tudo que você precisa”. — Sinal clássico de surdez emocional.
- O marido compartilha: “Me sinto pressionado, cansado”, e a esposa responde: “Você tá reclamando de barriga cheia”. — Outro sinal claro.
- Ao perceber que o outro está triste, simplesmente ignora, finge não perceber ou diz: “Para de drama”.
No curto prazo, parece inofensivo. No longo, mina a conexão, gera afastamento, frieza, mágoas acumuladas e, muitas vezes, termina em separações que poderiam ser evitadas.
Caminho para cura: Soluções práticas
1. Reconhecimento: A primeira chave
- Admitir que existe um bloqueio.
- Perguntar a si mesmo: “Quando foi que comecei a calar meus sentimentos?”
- Observar os próprios comportamentos: “Eu escuto ou só respondo?”
2. Prática da autoescuta e nomeação das emoções
- Criar o hábito de, ao final do dia, escrever: “O que senti hoje?”
- Utilizar ferramentas como a Roda das Emoções, que ajuda a identificar sentimentos além do básico “triste”, “feliz” ou “com raiva”.
- Perguntar-se: “O que essa situação me fez sentir, além do que eu penso sobre ela?”
3. Aprender a escutar o outro sem reagir
- Escuta ativa: ouvir sem interromper, sem julgar, sem oferecer soluções imediatas.
- Validar sentimentos: “Eu entendo que você se sente assim”, “Isso faz sentido”, mesmo que você não concorde.
- Praticar a empatia verbal: repetir o que o outro disse, demonstrando que realmente ouviu e entendeu.
4. Restaurando a conexão no relacionamento
- Reservar tempos de diálogo sem distrações. Pode ser um “café das emoções” semanal, onde cada um compartilha como se sente, sem julgamentos.
- Praticar pequenas perguntas diárias: “Como está seu coração hoje?”, “Teve algo que te entristeceu hoje?”
- Aprender a lidar com o desconforto de ouvir a dor do outro, sem tentar apressar a cura.
5. Fortalecer a espiritualidade genuína
- Uma espiritualidade que acolhe a dor, não que a ignora.
- Orar não apenas pedindo, mas desabafando com Deus, como Jesus fez no Getsêmani: “Minha alma está profundamente triste até a morte” (Mateus 26:38).
- Entender que Deus não cura aquilo que fingimos não sentir.
6. Buscar apoio profissional: Terapia é cuidado, não fraqueza
- A psicanálise oferece um espaço seguro, onde a pessoa aprende a se ouvir, a entender sua própria história e a desconstruir os bloqueios emocionais.
- Muitas vezes, é na análise que alguém descobre que nunca aprendeu a nomear suas emoções — e isso se torna o primeiro passo da libertação emocional e da restauração dos relacionamentos.
Reflexão final:
“Confessai as vossas culpas uns aos outros e orai uns pelos outros, para que sareis” (Tiago 5:16). Esse texto bíblico não fala apenas de culpas morais, mas também de dores emocionais, de feridas não verbalizadas.
A cura começa no reconhecimento, passa pela escuta — de si e do outro — e floresce na disposição de transformar, com ajuda de Deus e de profissionais, aquilo que nos adoeceu.
Se você não ouve suas emoções, elas não desaparecem — elas se transformam em distância, sofrimento e solidão. Mas a boa notícia é que é possível reaprender a escutar, amar e se conectar — e isso começa agora.
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